Liberte o que está aprisionado dentro de ti
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Aquela música me fez recordar de um tempo triste, tão triste
que lágrimas escorreram pela minha face. Uma saudade louca bateu, mas muito
boa. A música me balançava até a imaginação alçar voos para bem longe. O som do
violoncelo e do piano era o alicerce que me mantinha firme nas lembranças que vinha
como o vento que dançava na noite que caía. Mais lágrimas ainda rolaram pelas lembranças.
Um barulho me fez voltar à realidade e vi meus pés no chão
para ter certeza que eu estava ali mesmo. Antes de levantar eu visualizei meu
pequeno recinto, livros na escrivaninha, caderno, lápis, caneta, uma xícara
vermelha com chá de ervas, uma garrafinha de água... Coisas. Ah, sim! Estou
aqui.
Fui ao encontro do barulho e percebi que eram batidas na
porta da frente. Meu dedo tirava as lágrimas que ainda estavam correndo pela
face cujos olhos vermelhos denunciavam o chororô.
Abri a porta.
- Oi. – Ela disse adentrando o meu ambiente caseiro com os
olhos arregalados. – Como você está? Eu liguei para você, mas você não atendeu.
- Oi. – Eu disse fechando a porta. – Eu estava ouvindo
música e... – Ela mantinha os olhos baixos para não mostrar o resquício de
tristeza estampada nos olhos. - E você sabe que não gosto de telefones – quis sair
da sintonia triste - não tem graça de ficar falando naquele aparelho porque
perco tempo. Eu gosto de falar frente
a frente. Ou, por sms. Ah, você sabe.
- Sei que você não gosta que nada te prenda. Sou sua amiga,
esqueceu-se disso também? – Ela deu um sorriso. - Bom, eu enviei vários smss,
mas você não respondeu então eu liguei.
Dei um abraço nela para fechar aquele momento
“questionário”.
Eu tinha esquecido que ela ia vir hoje. Estava absorta na
longitude.
- Imagino que tenha se esquecido de mim hoje, não é? O que
houve?
- Nada de mais. Às vezes, as lembranças nos puxam e vem algo
que aparece como um fio de elementos que se ressalta no ar.
Eu sempre fui boa em esconder os meus sentimentos e dar
respostas evasivas.
- Vamos conversar. – Puxei-a para meu quarto.
Tínhamos combinado de ver um filme e falar de qualquer
coisa. Um tipo de papo cabeça. Coisas da vida. Diz ela que estava passando por
um alquebrado e eu fui eleita para dar um tipo de força que segundo as mentes
sãs do meu rodízio de cabeças pensantes, só eu tinha. Não sei de onde tiraram
essa afirmação, mas me propus a ajudar. Jamais nego ajuda ao próximo.
A criatura estava triste. Parece que aquela questionadora
que entrou por aquela porta há uns segundos tinha ganhado um banho de água
fria. Sua expressão facial já estava taciturna.
Não queria passar nenhum tipo de energia baixa então me
concentrei nela.
- Conte-me. – Eu pedi.
- Eu amo um rapaz e você sabe quem. Mas tenho medo de dizer
isso e ele mudar comigo.
Com certeza a frase que ela deixou sair me fez pescar as
informações que eu já tinha a respeito desse tipo de situação. Eu até já sabia,
mas ela queria compartilhar com mais detalhes. Meus ouvidos já estavam prontos.
- Se você já tem certeza que o ama, o que falta então para
falar isso á ele?
- Coragem.
- Ou talvez não. Tudo o que acontece em nossas vidas é o
reflexo do que existe dentro da gente. Não guarde nada dentro de você, liberte aquilo
que não é para ficar e sim para ser compartilhado.
- Porque você diz isso? – Perguntou.
- Porque nunca sabemos quando teremos outra oportunidade.
Ele não sabe que você o ama e você esconde porque acha que ele não vai te
corresponder. Para que ficar dando você mesma as respostas que só cabe á ele de
respondê-las? Para que criar expectativa se isso é só gasto de tempo? Sei que
cada mente pensa de uma forma, mas a palavra “depois” só atrasa. O máximo que
vai acontecer você já sabe, é um não. E se você sente esse “algo” é porque de
fato já está ai dentro e por alguma razão.
- E eu não sei qual a razão!
- Eu vou ler uma história para você. E se depois dessa
história você ainda tiver dúvidas é porque não passa de uma ilusão, pois o amor
não é duvidoso e nem ilusório.
- Leia então, por favor! – Ela pediu empolgada.
Peguei um amontoado de folhas e achei a história no meio
delas.
Comecei a ler.
A estudante sonhava
acordada. Se não era em seus livros, era na sua vida real. Ela acreditava que
existia muito mais do que as pessoas viam com seus olhos. Que os sentidos e as
ideias inatas faziam constantes companhias como um debate de pensamentos. Ela
gostava de pensar que o amor era algo que só poderia ser alcançado com a mais
pura alma com ligação na divindade, livre de todo o preconceito e pensamentos
maléficos.
O que os humanos
sentiam era algo tão intangível e invisível e sem explicação que ninguém nunca
conseguiu dizer o que é o amor. Alguns que diziam amar só diziam sem nada
conseguir explicar. Perguntava-se sobre o amor, e vinha uma enxurrada de
conceitos. Ela também sabia que se sentisse algo era porque já estava
germinando. Como uma doença crônica que só aparece depois, e que a princípio
não há sintomas que faça você descobrir, pois nada se movimenta. Nada. Só
depois.
As pessoas são diferentes,
se traduzem nas suas palavras e ações espontâneas e não no que dizem. Se
quiseres saber como uma pessoa é, perceba as ações espontâneas dela. E não o
que ela faz por obrigação, pensava ela.
E pensava também que,
os “mais” de todas as coisas anulavam, por vezes, as que eram importantes de
serem vistas. Ela cogitava tais ideias dessa forma: tudo o que é excesso
machuca e destrói. Muitas coisas ainda estão para serem descobertas dentro das
pessoas, elas não se conhecem por inteiro e por isso não param de se descobrir.
Sempre havia algo que
a impedia de se declarar ao seu amor e, o antagonista das cenas fazia a festa
quando conseguia o que queria. Quando pensamentos negativos e a falta de reconhecer
seus merecimentos a fazia cair em prantos muitas vezes. Por algo que ela só
criava expectativa e nem se quer deixava acontecer naturalmente. Mas havia um
porque e ela não sabia.
Um amontoado de lixos
acumulados na sua mente teria que ser reciclados uma hora. Do que adiantava
saber e não fazer? Não adianta. Isso era egoísmo dela, tinha que compartilhar. E
isso ela mais do que ninguém sabia que, machucava e destruía.
Ela era apaixonada por
um rapaz que mal conhecia, por um medo desconhecido de conhecer. Escrevia
muitos versos e prosas em relação a esse amor. Quando ele vinha para seu campo
ruminante às luzes dos pensamentos poéticos coloriam sua mente e lá ia uma
cachoeira de palavras que montavam lindas linhas de amor. Mas o que adiantava
só ficar na escrita se ele não lia? Guardava em seu coração uma morada para
ele, o aprisionando lá.
Isso passou a ser um
hábito diário. O mundo poderia estar caindo, mas ela pegava seu diário e
escrevia o que vinha a cabeça naquele momento em relação á ele.
Ela mantinha um
contato mais distante com ele pelo medo de ficar muito tempo perto pelo tipo de
reação surpresa que poderia ter e não saber, pois sabia que estava em constante
aprendizado do autoconhecimento. Uma coisa é estar perto de pessoas normais, e
outra é estar perto do seu grande amor.
Nos corredores da
faculdade quando o via, seu coração começava a acelerar. Parecia que queria sair
pela boca ou pelo peito mesmo, de tão forte que batia. A conexão era tão grande
que ela perdia até a postura e não sabia como agir. Mãos trêmulas, falta de
concentração no que devia estar fazendo e outros tipos bem parecidos.
Ele, por sua vez, era
de um caráter ímpar. Quando dava seu mais lindo sorriso parecia modelo de propaganda
de pasta de dente. Tranquilo, paciente, demonstrava muito amor ao próximo e não
tinha nenhum resquício de preconceito. Trabalhava como voluntário no mesmo
lugar que ela duas vezes por semana. O que mais os aproximava.
Ela sabia que esse
esconderijo poderia um dia ser descoberto e o amor iria ser achado. Ela se
perguntava várias vezes se realmente era amor o que sentia. Lia muito sobre o
amor, mas as pessoas não sabiam definir o amor, e sim dá exemplos. Não era
suficiente. Ela queria mais respostas. Mais quem dava resposta não sabia nem o
que estava falando. E outros não respondiam, perguntavam mais. Ai confundia
tudo.
O nome dele estava lá
no diário, na vertical, num acróstico romântico.
O tempo sempre passa e
com ele nasce às incertezas do ser ou não ser. Cerrou-se o ano letivo. Ela havia
adiado a viagem que havia programado porque não queria deixar de voluntariar
também, assim veria ele fora da faculdade.
Nos dias que se passou
ela percebeu que ele não estava mais indo no trabalho voluntário e seu coração
se apertou. Queria ligar, mas não tinha seu número. Queria mandar um e-mail,
mas não tinha coragem, mesmo sabendo qual era. Estava achando que seria
inoportuna.
Uma noite, em que a
chuva caia fortemente lá fora, ela colocou uma música e foi até a janela. Olhou as gotas
da chuva caírem e sentiu vontade de imitá-la. Naturalmente começou a chorar de
um jeito descontrolado. Uma dor começou a se alastrar pelo seu peito, e doía
muito. Como marteladas, uma após a outra. Parecia que estavam querendo tirar o
coração sem anestesia. Ficou horas assim. Caída no choro sem saber o motivo. “O
que está acontecendo?” Ela perguntou, mas não havia ninguém ali para responder.
O coração agora acelerava. “Porque estou desse jeito?” Ela indagava.
Os dias passaram e ela
se isolou. Ela não queria responder e sim perguntar. Aquelas lágrimas não
paravam de cair. Seus amigos ligavam e ela não atendia ao telefone. A caixa de
entrada do e-mail estava cheia e ela só olhava, mas não tinha forças para
responder. Até que um assunto chamou sua atenção. Nele estava escrito “vamos
orar por nosso amigo, ele está partindo” ela logo se levantou e abriu o e-mail.
Caiu novamente em
prantos. Como se agora ela já soubesse o porquê de toda aquela dor. Se um dia
duvidou que existisse uma conexão entre as pessoas agora ela sabia que sim. A
foto dele estava lá, com o rosto pálido, mas o sorriso emoldurando a face. Aquela
alegria nunca saia dele. Pegou o telefone e ligou para uma amiga mais íntima.
- O que aconteceu com
ele? – perguntou.
- Eles têm câncer.
Nunca contou a ninguém. E disse que não quer que ninguém chore pela sua partida.
Eu te liguei mais você não atendeu ao telefone.
- Eu vi o e-mail. Mas como
ele está? Onde ele está? Com quem...
- Calma!
Ela estava ansiosa e
cheia de aflições. Era essa a confirmação de toda a sua angústia. A amiga
contou tudo o que havia acontecido. E deu o endereço do lugar que ele estava. E
mais alguma palavra depois desligou.
Ela estava decidida,
ia ver ele e contar tudo o que sentia. Mas será que não era tarde para isso? Não
sabia de nada.
No dia seguinte ela
foi até o meio de hospedagem que ele estava. Pediu informações na recepção e
conseguiu o que precisava para ir até ele.
“E agora? O que eu vou
dizer? Ele não é meu amigo e nunca conversamos.” Pensava ela enquanto ia à
direção da unidade habitacional em que ele se encontrava. Trêmula, com medo da
própria reação. Não, ela não poderia falar muita coisa ele não estava bem
fisicamente. Ela nem sabia qual era o câncer que ele tinha.
Viu o número do quarto
e olhou para ver se era ele mesmo que estava lá. Uma enfermeira saiu e a viu.
- Enfermeira ele...
- O que você é dele?
- Sou amiga da
faculdade.
- Pode entrar. Ele já
está esperando.
Ela estranhou a afirmação
da enfermeira. Como ele sabia que ela iria, deveria ser outra pessoa, com
certeza. Ela abriu a porta e o viu com um livro na mão. Sentiu vontade de abraça-lo
e dizer o quanto ela o amava. Mas o excesso de medo não deixava.
- Oi. – Ele disse. –
Achei que você não vinha.
Ela ficou surpresa.
- Eu recebi um e-mail
do pessoal da faculdade e...
- É eu sei, eles me
perguntaram se podiam fazer isso.
Silencio.
- Bom você não foi
mais trabalhar e...
- É como você pode
ver, eu não poderia ir. Mas tenho certeza que você deu conta de tudo. To muito
feliz que você tenha vindo.
Ela o abraçou e chorou
muito. Quando se afastou viu que ele chorava também. Os dois em soluços
estendidos.
- Sei o que você sente
porque eu também sinto o mesmo. Mas eu achei que não seria justo você se
prender a mim sendo que eu já estou partindo. – disse ele.
- Então quer dizer
que... Você...
- Sim, eu amo você. Só
queria evitar seu sofrimento porque eu senti todas as vibrações de amor, todas
as palavras ditas internamente que você não me disse. Todos os olhares, todas
as vezes que eu te via sentia a conexão. E por sentir, eu sabia que estava
germinando algo dentro de mim.
Antes que ela falasse
ele começou a respirar fundo como se lhe faltasse o ar. Uma enfermeira passou e
o viu ofegante, entrou depressa e pediu que ela saísse.
- Por favor, venha
amanha. – Ele pediu com olhos
taciturnos.
Ela saiu de lá
chorando. Não enxergava o chão direito porque sua vista estava embaçada. Não se
conformava, se ele também gostava dela porque não tinha dito? Para evitar
sofrimento? Mas o sofrimento é uma benção! Ela pensava.
No dia seguinte ela
pegou seu diário e resolveu levar para ele. Se ele tivesse mais alguns dias de
vida daria para saber tudo o que ela pensava sobre ele. Ao chegar lá,
enfermeira que a viu ontem disse que ela poderia entrar.
Quando entrou ele
estava sereno. Sem cabelos. No dia anterior nem tinha notado muito, pois ele
estava com uma touca. Seus olhos estavam fechados. Ela sentou-se na cadeira do
visitante e ficou ali, olhando para ele como se mais nada fosse tão importante
que aquele momento. Pegou o diário da bolsa e colocou em suas mãos.
- Oi. – Ele disse,
ainda com os olhos fechados.
- Oi. Eu trouxe um
presente. – A voz já estava cheia de tristura.
- O que é?
- Tudo o que eu não
disse a você. Eu decidi te procurar porque tenho certeza que foi a melhor
escolha que eu poderia ter feito, pois eu penso dessa forma agora. Antes eu
tinha a incerteza, mas agora eu sei que eu preciso que você saiba tudo o que eu
sinto porque é tudo verdadeiro.
Ele deu aquele sorriso
amarelo e depois começou a chorar. Isso já significava muita coisa. Ela o
acompanhou no choro. E prosseguiu.
- Não quero pensar que
seria diferente se nós dois tivéssemos ficado juntos. – Ela disse com a voz
embargada. – Quero pensar que Deus te
trouxe para minha vida para me dá um norte. Foi por sua causa que eu quis ser
voluntária, ajudar as pessoas, dar amor á elas. Você nem imagina como me fez e
ainda me faz bem ver o rosto de felicidade daquelas pessoas. E muitas outras
coisas mudaram minha vida, porque você entrou nela. Você me tirou das sombras e me mostrou a luz. Entende que você é mais que especial? Só não sei dizer por
que nunca consegui conversar com você sobre isso antes.
- Mas não precisa você
já sabe. – Ele finalizou.
Os dois se abraçaram
fortemente e ela deu um beijo carinhoso em seus lábios rachados e carnudos. Sua
face era pálida e havia olheiras. Mas sabia que sua alma estava mais leve.
- Eu não sei por que
você vai partir, mas sei que não posso mais te prender dentro de mim. Por isso,
depois de pensar muito, quero dizer que eu liberto você de mim, para que você
alce seu voo e vá para onde deva ir. E... Eu amo você!
Uma semana depois ele
partiu, no momento exato em que terminara de ler o diário dela.
- Nossa! – Minha amiga disse chorosa. – Que história linda! De
quem é essa história? – Ela indagou
- Minha. - Ela abriu a boca surpresa.
- Porque nunca me contou?
- Estou contando agora.
- Você é um universo de mistérios. – Ela riu
- Acho
que sou conduzida a falar nas horas certas. Todas as experiências que temos
servem para ser passadas adiante. Por isso digo a você, se amas, não prendas
esse amor, deixe ele se libertar. Deus é justo e bom. Nada que acontece é em
vão. Nada! Tudo vem porque precisamos. Só temos que ser mais atento porque as
oportunidades de crescimento moral são valiosas. Dizemos
muitos nãos, são muitos muros que criamos ao nosso redor sem deixar que nada
entre ou saia. Enfim, liberte o que está aprisionado dentro de ti.
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