O velho da lâmpada
Uma jovem entristecida havia tomado um balde de melindres.
Não havia sinal vital em sem semblante. Sentia que um milhão daquelas palavras
proferidas por bocas sujas não eram para ela, e sim um tipo de alívio. Mas ela teve
que ouvir, palavra por palavra. Foi um desabafo de alguém muito frustrado,
cheio de rancor, amante de vida fácil e irmão da preguiça. Cheio de teimosia e de
uma energia negra sem igual. Aquela alma já estava revestida com a negritude e
os pensamentos de um demônio.
A pobre jovem caiu em desespero, perguntava: por que tanta
maldade em uma pessoa só?
O corpo já estava quase em mil pedaços, estava enjoada, se
sentindo sugada. Estava ficando sem forças. Seus olhos não eram mais castanhos,
eram vermelhos. Sua voz nem saía, pois estava trancada na imensidão raivosa.
Não queria ser má. De jeito nenhum. Mas não entendia por que a situação se
prolongara tanto, sendo que a princípio não havia motivos para tais ações. Não. A jovem foi
ficando cada vez mais fraca. E passando por um beco, próxima da sua casa, em
frente a uma praça deserta, ela caiu. Estava se desprendendo. E desmaiou.
De fato o corpo precisaria descansar. Fora muito maltratado.
Quando abriu os olhos se viu sentada numa enorme pedra, de
frente para um intenso mar verde e calmo. O cheiro do lugar abria sua
respiração. Havia árvores grandes, passarinhos a cantar, e o cheiro do mar
salgado em suas ondas minúsculas e espumadas.
- Onde estou? – Ela soprou as palavras com dificuldade.
O vento balançava seus cabelos castanhos e cantavam
aventureiros em seus ouvidos. O lugar era tão bonito que ela desejava não sair mais de lá.
Ela levantou-se. Olhou de novo ao redor e algo chamou sua atenção, brilhando na areia. Algo dourado. Ela foi chegando mais
perto e viu o que era. Pegou nas mãos e ficou olhando com a sobrancelha esquerda erguida.
- Será que funciona? – Ela perguntou incrédula.
Esfregou e nada.
- Você tem que esfregar com mais força minha jovem. – Uma voz soou, grave.
Ela deu um grito. Largou a lâmpada no chão e se afastou uns
momentos.
- Não tenha medo. Esfregue mais forte para que eu saia
daqui.
- O que é você? Não acredito em lâmpadas mágicas!
- Você não acredita no que está ouvindo?
Ela desistiu de retrucar a voz e chegou mais perto. Pensou
um pouco.
- Está bem. O que mais pode me acontecer? Já vivo um inferno
mesmo.
Ela esfregou fortemente. Esperou, esperou, esperou. Não
acontecia nada.
- Então você quer mesmo saber se funciona? Mas, vou logo lhe
avisando... – A voz estava atrás dela.
Ela o olhou e a criatura não era nada parecida com um gênio.
Era um homem envelhecido, de cabelos brancos, semblante taciturno e testa enrugada. Parecia impaciente vendo aquela jovem toda acabada em trapos.
- O que o senhor quer me avisar? Quem me garante que não
estava escondido em qualquer lugar?
- Vejo que você esta necessitada de um desejo. O que ia lhe
avisar é que só posso lhe conceder um.
- Por quê? Não seria três? – Indagou.
- Eram. Como os humanos não sabem aproveitar o que é de graça e
pedem o que não precisam, eu só darei um desejo apenas, assim não há mais desperdícios. E ainda acham que têm razão quando deduzem não ter dado certo, é mais falta de sensibilidade e um mar de ignorância.
- Eu não tenho desejos, sou uma desiludida.
- Mas deve ter algo que você queria saber.
- Não sei. Ando tão massacrada pela vida, pelas escolhas que eu fiz.
- Além de incrédula, você é pessimista. Faça uma pergunta!
- Eu tenho muitas.
- Uma só. - Disse o velho, levantando o indicador.
- Tudo bem. Por que certas pessoas não conseguem ficar em paz com sua
consciência?
- Porque perguntas se já sabes da resposta jovem?
- Porque gostaria de saber a sua opinião. Meus conceitos são
meus, de acordo com meu conhecimento de mundo, e pela pouca idade que tenho, você acha que sei de muita coisa? O que sei está guardado em mim. Eu poderia fazer muito mais do que eu
faço, mas isso não depende só de mim. Sou obrigada a conviver com mentes
barulhentas, intrigantes e muito insatisfeitas. Sei até o que elas pensam. Sei o quanto o dinheiro
para elas é mais importante que tudo. Sei de muita coisa e também há muita coisa que eu não
sei; então me vem a cabeça, se o amor é de graça, assim como outros tantos
sentimentos que existem, por que ninguém o usa e fica em paz com sua
consciência?
- Veja bem minha jovem. A filosofia não é praticada na sua
geração. Os humanos são apegados demais as coisas, as pessoas, a sentimentos e
detalhes fúteis. Longe de qualquer coisa que eleve o crescimento moral. Para elas
não existe nada além do que os olhos veem. Nada que não seja material. E por não terem
indagações, não terão respostas para nada. Por isso reclamam, como se os
problemas fossem sumir. Querem tudo
pronto porque nesse momento as coisas estão mais fáceis. E ai, por que você
acha que elas não ficam em paz com suas consciências? Há muita ignorância que
serve de cegueira e bloqueio para ir além. O homem que se atrever a perguntar, a
assumir seus erros e limpar o encardido de sua alma, aos poucos sairia desse
inferno e aprenderia, tendo resignação, aceitando os sofrimentos e derrotas. Enfim, estariam em
paz. Respondido?
- Sim, obrigada. mas essa é sua opinião. Bom, vejo que isso só cabe a cada uma delas, não é? Se não começarem a se limpar, a consciência permanecerá suja. Sem esperança de ficar em paz. Alimentando o orgulho e egoísmo. É isso?
- Não posso mais responder. Já realizei seu pedido.
- Porque estava jogado aqui nessa praia deserta?
- Quem disse que estávamos numa praia deserta? Sua imaginação
é fértil jovem. Adeus!
O tempo começou a escurecer. Ela não conseguiu mais ver
nada.
- Gênio! Não me deixe aqui sozinha! – Ela gritou.
- Lembre-se da filosofia, espalhe-a. – Ele disse com uma voz já sumida.
- Mas...
Caiu a escuridão plena. Minutos depois ela acordou. Estava
deitada no beco, próxima da sua casa, em frente a uma praça deserta. Já não
estava mais cansada.
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