Com Modigliani
![]() |
Modigliani por Picasso
|
O italiano entrou na noite
Bonito,
sedutor e cheio de alegria.
Seus
passos formavam notas musicais
Com
uma garrafa de vinho nas mãos
Já
se notava o jeito embriagado.
Eu
estava sentada no banco
Esperando
um táxi.
Ele
então se sentou ao meu lado
Onde
somente a lua iluminava o cenário.
-
Vejo que você tem um belo rosto. - Disse.
E depois
do comentário, tirou o cigarro do paletó
Pegou
o isqueiro e acendeu.
-
Obrigada. - Eu disse.
-
A moça sabe quem sou?
- Modigliani.
- Muito bom. - Ele sorriu.
-
Como não saber de um homem que adora se embriagar por aí?
Ele
bebeu um gole da garrafa de vinho e depois deu risada.
Em
seguida, colocou o cigarro na boca
E
continuou olhando para mim.
- Gostaria de pintá-la, posso?
Ele
apontou o indicador para meu pescoço
-
Você tem uma paixão em pintar mulheres, não é?
-
Sim.
-
Qual motivo de tanta paixão?
-
Porque o futuro da arte está no rosto de uma mulher.
-
E suas mulheres são sempre pescoçudas?
-
Não, esse é meu jeito de expressar como elas são para mim.
Ele
riu e eu também. Mas havia algo mais.
-
Tome. – Ele tossiu umas três vezes.
Pegou
um papel e me entregou.
-
Apareça amanhã em minha casa que eu quero pintá-la.
Modi levantou-se e saiu cantarolando.
Numa
mão a garrafa de vinho
Noutra
o cigarro.
O
táxi chegou e eu fui embora.
No
dia seguinte bati em sua porta.
O
pintor trazia em seu pescoço um avental
Estava
cheio de tinta.
-
Entre. – Disse sorridente.
A
casa era modesta.
Cheia
de quadros.
Muitos
rostos de mulheres
Muitos corpos nus de mulheres.
Olhei para uma que me chamou atenção.
-
E esta com os olhos fechados?
-
É Jeanne. - Disse firmemente.
Esperei
ele continuar.
-
Eu disse a ela que um dia pintaria seus olhos...
Ele
silenciou.
Pediu
que eu sentasse em uma cadeira de madeira
Que
deixasse meu pescoço à mostra.
Fiz
o que pediu.
Ele
sentou numa mesa à minha frente
e ficou me olhando.
Cantarolava
de boca fechada.
Chegou
perto de mim
E
me ajeitou do jeito dele.
-
Agora fique assim bela moça, vou pintá-la.
Ele
começou.
Fiquei
imaginando o que ele estava pensando.
Suas mãos se mexiam levemente pela tela.
Modi mostrava-se sempre feliz
Mas
seus olhos traziam um mar de tristeza.
Que
ele preferiu esconder.
Ele
preferiu viver o lado bom da vida
Mesmo
tendo muitos vícios.
Depois
de algum tempo
Ele
virou a tela para mim.
-
O que você acha?
Seu
sorriso era determinado
E
consciente de que a sua arte estava boa.
-
Maravilhoso, e meu pescoço está maior.
Ele me olhou soslaio e trazia um sorriso no canto da boca.
-
Obrigada, quanto lhe devo?
-
Nada.
-
Me deixe pagar, por favor?
Ele
pensou um pouco
Colocou
suas mãos acima da cabeça
Cheias
de tinta e deu uma gargalhada.
-
Me pague uma garrafa de vinho!?
-
Modigliani!
Nós
dois rimos.
-
Antes que eu morra, por favor!
Aquilo
me deixou em estado de alerta.
-
Como assim?
-
Eu tenho tuberculose, logo já vou.
-
Mas então é suicídio você ficar bebendo, fumando...
-
Não ligo. O álcool me faz até escrever poesia.
Ele
riu ironicamente, como se o assunto não fosse sério.
-
Você é muito louco!
-
O velho Renoir disse que sou louco.
-
Ele tem toda razão!
Modigliani parou de sorrir e respirou com dificuldade.
-
Mas o que se passa em sua cabeça? - Perguntei.
-
É uma questão abstrata, e isso ninguém sabe.
Paguei
uma garrafa de vinho a ele.
Modi estava em seu pleno estado de loucura.
Não
se importava em fazer o que queria, pela saúde.
Passaram-se
muitos meses depois daquele dia.
Eu
não tinha o visto mais.
Numa
noite, estava no mesmo banco
Esperando
um táxi.
E
para minha surpresa Modigliani apareceu.
-
Amanhã terá uma exposição de muitos pintores
Ele disse, olhando-me firme com o cigarro na boca.
-
E você vai estar lá?
-
Sim.
Ele
me disse onde era e foi embora.
Esse
homem parecia um fantasma
Aparecia
do nada e sumia do nada.
No
dia seguinte fui ao local
Estava
cheio de gente
Muitas
pessoas bonitas
E
bem vestidas.
Até
vi Picasso com sua esposa.
Haveria
de ter um quadro dele ali.
Os
quadros estavam tapados.
Olhei
ao redor e nada de Modigliani.
Um
homem gordo começou a mostrar
Todas
as pinturas.
Picasso havia pintado Modigliani.
Achei muito lindo o sentimento ali retratado.
A
última foi de Modi.
Era
Jeanne, com os olhos bem abertos.
Eu
senti vontade de chorar com a poesia do quadro.
Cena
tão bela da Jeanne Grávida!
Com
as mãos no colo
Mas
carregava olhar triste para o lado.
Usava
um vestido azul.
Uma
lágrima caiu do meu rosto.
Tinha
sempre algo em seus quadros
Era como máscaras sem qualquer emoção.
Um incentivo à interpretação do seu mundo.
Algo
que sua alma não revelava verbalmente.
Ao
sair do meio da multidão
Vi Utrillo e Soutine adentrarem o espaço
Foi
então que eu os ouvi falar o nome de Modigliani.
Com
as faces tristes e marcando inquietação.
Eu logo entendi o que estava acontecendo.
Fui
para casa naquela noite numa tristeza sem fim.
Com muitas lágrimas escorrendo por minha face branca.
Ao
chegar perto do portão de casa
Algo despertou minha atenção.
Vi um quadro e
Um bilhete pendurado que dizia adeus.
Era a pintura que Modigliani fez de mim.
Comentários
Postar um comentário